segunda-feira, 27 de setembro de 2010

"Homens, Santos e Desertores"


     Esse final de semana tive a oportunidade de ver no centro cultural sp, uma peça do Mário Bortolotto chamada “Homens, Santos e Desertores”. A peça conta a história de um garoto solitário que se sente diferente dos outros garotos por ter uma visão de mundo completamente oblíqua e inconformista da realidade, ele compartilha as suas inquietudes com um homem mais velho (Bortolotto) que se via na figura do menino e de certa forma possuia ainda um resquício daquele conflito dentro de si.

     O personagem do Bortolotto tenta dissuadir o pobre garoto a todo instante dizendo que o estilo de vida das pessoas baseado no underground é um estilo muito sinuoso. É um combate difícil e com consequências que  levariam a desilusão, a solidão, a morte, porque toda aquela questão reacionária não ia levar a lugar nenhum, toda aquela fuga da realidade, a busca de novos ideais de vida baseados na numa cultura diferente, vai sempre ser auto-destrutiva, e pior, vai caminhar em cima do conservadorismo e aquele estilo beat vai levar um garoto a beatismo.

     A peça diz muito sobre o Mário, os personagens se parecem entre si e tem muito a ver com ele, tanto o papel que ele representa, que é de um ex-seminarista boêmio de certa idade que tenta adoçar a sua vida amarga com suas boas leituras e alguns gole de wiski, como o papel do moleque que tem sede conhecimento e vive um momento inquieto e inconformista. Na verdade esses dois personagens estão ali dentro daquele cara maluco que é o Mario Bortolotto, o conflito dos personagens é o conflito dele, que é de um cara reacionário, mas que ao mesmo tempo cool, um cara incrédulo, mas religioso, um cara que adora um wisk mas não dispensa um bom café, um cara que não aceita a realidade do jeito que ela é e luta para muda-la, mas não tem um verdadeiro reconhecimento.

     A trilha, iluminação e o cenário são bem simples e sensacionais, de caráter minimalista, seguindo o mesmo ritmo da peça, mas toda essa tranquilidade é quebrada inesperadamente, quando eu já estava habituado com aquele silêncio e com aqueles dois loucos inconformados com a vida. Essa ruptura nada esperada me fez sair do teatro catarticamente refletindo várias coisas e repensando toda aquela história.

     A peça tem um silêncio intenso que de certa forma pode ser transfigurado na solidão dos dois personagens. Esse silêncio fazia com qualquer movimento fosse percebido e cada barulhinho ganhasse uma relevância muito grande. A primeira cena é um exemplo disso, que é a cena em que o Bortolotto está fazendo um café, tinha todo um jogo ali envolvido, uma simplicidade que era muito representativa e muito cênica, que aproxima o espectador. A distância ali era tão pequena que se conseguia perceber o barulho do fogo, barulho da agua fervendo, o barulho da colher batendo no fundo dos copos, sem falar no cheiro de café que deu até água na boca. É o tipo de coisa que no dia-a-dia nós não damos valor nenhum. Eu acho que arte tem esse papel de aumentar a nossa percepção sobre a realidade. Independente de despertar uma razão social, despertar um engajamento, despertar um lado passional, depertar uma emoção com uma cena de um cara fazendo café, seja lá o que for proposto, o lado cognitivo ou lado contemplativo de quem faz e de quem aprecia a arte deve ser remechido de alguma forma .

Divagando 2
 
"Homens, santos e desertores"
 
Beat,
Beatitude²
     atitude!

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